segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Não há o que eu precise

Resta tão pouco a acreditar. Já tive fé na mãe, no vizinho, nos meus olhos, no que cortava o céu, no pouco, no muito, em mim, no amor. E como tudo é líquido, hora ou outra: derrete.
Já pensei em apenas acreditar no passado. Mas veja só, ele também não existe. Futuro? Não existe. E o presente, cúmulo do efêmero, não se dá ao respeito. Não merece nossa fé, nossa crença, nossa atenção.
Já acreditei na união, nas drogas, nos livros. Acredite: pinga gotas, hora ou outra: derrete.
A crença em qualquer crença está morta. Política, arte, motim, família, estrada. Quando digo que pouco em que acreditar me resta, acredite. Você ainda pode acreditar em mim. Mas, a mim, resta pouco.
Eu seria capaz de revirar lixos em busca de crenças, se acreditasse na felicidade de crer novamente. Felizes os que crêem. Mas também não acredito nisso. Crer já é por si só uma mentira, um estupro mental.
Eis o paradoxo: só há vida onde há mentira e, se é mentira, logo eu não creio. Então, sem fé, ninguém é capaz de viver?
Sobrevivo com o benefício da dúvida. Benefício que me foi concedido por solidariedade à minha incapacidade de crer. Assistencialismo puro.
Não digo que levo uma vida digna, mas não há do que reclamar.
Recebo minhas cotas de questionamento e me alimento com o que sobra dali.
Não há cura para descrença crônica.

Um comentário:

Cecília Floresta disse...

E se crê, desconecta. Minha receita pra isso aí tem sido os escritos, o chá de camomila, as dores de estômago, a cerveja, as saudades, o sol ardido na hora do almoço, o almoço quase sempre sem gosto de comida, a vida quase sempre com gosto de qualquer coisa. E não é desilusão, não é desamor, não é fastio. É falta de alguma coisa, de qualquer coisa: é entender. É compreender que a porra do mundo gira, como e por qual motivo; entender que todas as relações humanas, mas TODAS as relações humanas, só se dão por interesse mútuo. Tudo não passa de uma troca de interesses, de fichas jogadas, de dados viciados.

Mas o que fizeram com a gente, amor? Onde é que a nossa lua foi parar hoje à noite?