segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Nós

Chapter 1

De um nó, surge outro nó.
Um emaranhado sem fim entrelaça os dias, momento a momento.
Pensamentos desconexos, sem contexto, soltos, mas longe, de leve, voam perto ao teto da sala de estar.
Ela, que já sentiu-se mínima e que já visitara o universo, agora sentia-se uma perfeita interrogação. Os minutos sozinhos pareciam ter sentido, mas unidos embaçavam-lhes os olhos verdes, apertados pelo sol da tarde.
O peito seguia cheio, cheio de algo que oprimia sua respiração. O ar quente enchia os pulmões vagarosamente, em pouca quantidade e custava a sair.
Os dedos do pé amontoavam uns sobre os outros e de suas pernas escorriam pequenas gotas de suor.
À sua janela, um grupo de pessoas conversava sobre coisas quaisquer. E ela continuava com os fones enterrados nos ouvidos. As vozes apareciam entre uma canção e outra e, a ela, não importava o assunto de que tratavam os transeuntes. Para ela, eles eram apenas mais um grupo, que gostava de parar à janela para discutir coisas quaisquer. E de tais assuntos, sua existência estava bastante pontuada.
Do dia para a noite, ela trocara festas, amizades, encontros e todo e qualquer desfrute que seu corpo podia usufruir, por dias regados a regras, deveres e silêncio.
Seus pés haviam tocado aquele chão há um mês, mas sua mente pregava que ela trocara de vida há muito mais.
Dentro das gavetas de seu antigo quarto, ela deixara planos, desejos, vaidade e um bocado de histórias. Aqui, ninguém pararia para escutá-las, histórias reais, mundanas, acontecidas em loucas noites sem muito pudor.
Aqui, ninguém satisfazia suas vontades, ninguém a cobria de elogios. Aqui, ela permanecia longe dos amigos, da família e de toda zona de conforto em que ela orbitava seus minutos.


Chapter 2

Os dias passavam vagarosamente. Nossa... quanto tempo a preencher. O que a fazia sorrir eram os acordes altos dentro do ouvido. Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Billie Holiday. A casa estava sempre cheia, ela não podia ficar sozinha nem nos mais solitários dos ambientes: o banheiro. Não. A idéia era não ficar sozinha. Ela era obrigada a estar rodeada de pessoas vinte e quatro horas por dia. Hoje era noite. O peito comprimido por angústias difíceis de descrever, os olhos fixos na tela do computador a escrever devaneios aparentemente sem sentido algum. Ah, como não estar sozinha era complicado! Sua maior vontade era cerrar as pálpebras e aparatar longe dali. Uma cama quente de um típico apartamento paulistano, um banco de praça solitário, a mesa de um bar vazio. Nada transformava aquela idéia. Ela não sentiria saudades, apenas um saudosismo besta, digno de quem esconde um sentimentalismo exacerbado. E secreto.
Aqui, agora, ela sentia-se sozinha. Sozinha por dentro e rodeada por fora. Seu desejo era oposto. Para ela, a perfeição da vida estava em sentir-se protegida, aconchegada e acompanhada por dentro, mas sozinha por fora. Seus olhos logo moviam-se para o teto e a nuvem de imaginação visualizava a situação perfeita. Uma varanda, as luzes da cidade, a vitrola saudando o passado, o lápis na mão e o coração carregado de sentimentos. A plenitude interna, pronta para ser expelida para o papel. O vapor do café sobre a mesa de madeira. A luz morna do abajur de canto. O sorriso de canto de boca. A situação ideal. Ah... a noite ideal.
Mas não. Cá estava ela. Vazia por dentro, ninguém povoava seu coração que, dia após dia, endurecia um pouco mais. Sozinha por dentro, vazia por dentro. E rodeada por fora. Olhos inquisidores, mentes férteis imaginando atividades e pensamentos irreais. Ela não compreendia. Ou melhor, compreendia suas próprias escolhas, escolhas confusas de uma mente pouco lógica. Sentimentos e pensamentos dicotômicos acompanhavam-na há anos. Anos que passou a tentar compreendê-los. Anos a fio... todos desperdiçados nesta louca tentativa de desvendar seus próprios devaneios.


Chapter 3

A angústia não a deixava. Poderia listar poucas coisas a fazer: estudar, completar tarefas filosóficas, limpar espaços comuns. De repente costurar roupas, organizar armários... ou até dormir, comer, tomar um banho. Mas nada a agradava. Nada a fazia vibrar, nada lhe proporcionava prazeres reais, daqueles que nos fazem, ao menos por instantes, esquecer de nossa constituição corpórea finita, dolorida, insegura e que fingimos ser natural, agradável. Fingimos não sentir dor. Porque pensar, refletir sobre tal miserável condição traria loucura, extremos estados depressivos.
De dentro de seu corpo individual (porque, isso sim, ela sabia ser: individual), misturavam-se desejos particulares e sociais. Vibrava e ria de lábios fechados. A compreensão a havia atingido. Ela conhecia as coisas, a constituição da alma, mas não abandonara o corpo e a inter-relação com outros corpos, embora preferia mantê-las no plano sutil. Ela, aos poucos, compreendia sua relação com o meio. Com a dimensão a qual encontrava-se inserida.
Ela, algumas vezes, queria deixar o vento tocar sua pele, sair nua pela rua. Movimentos circulares, ela queria sair pelas ruas e que as ruas passassem por ela. E se ninguém? Ninguém a percebia. Poderiam ver e seguir suas vidas, mediocridade construída e bem querida. Desejos próprios, nascidos de mentes conscientes ao seu querer. É isso. A consciência é oferecida em bandejas de prata. Consciência saborosa, quem vai querer? Temperos exóticos, consciência temperada, quem vai querer? Pesa no estômago, mas é de graça! Quem vai querer?
Não, ninguém a quer. Ninguém deseja algo que estimulará cérebros adormecidos. Preguiça generalizada, um sono constante, zona confortável, acolchoada. Preferem assistir a tudo do lado de dentro. Atrás da janela é mais seguro, não? Pra que trazer novos pensamentos a um cérebro que nasceu cansado?
Onde mora o erro? Em mim ou neles? Pra que construir novas estrada quando as velhas já estão prontas e abarrotadas de pegadas sujas e confusas?


To be continued...

Um comentário:

Helô disse...

eu escrevo o comentário e apago, td soaria errado. ter lido isso me confunde, meu cérebro adormecido tenta entender a fresta exposta. mas reluta. só sei q é linda a maneira, dolorido o conteúdo.

prometo q, ao vc voltar, eu te darei seu tempo de fora, sozinha. sem apressar a vida.