segunda-feira, 6 de junho de 2011

A escolha de Clara

Parte 1

Clara sentiu uma vontade louca de dançar. O vermelho do vestido marcava cada curva, cada lombada de um corpo usado. Entre tantos pensamentos, usado era o único adjetivo que ela encontrava. Usado por homens, mulheres, pelas horas que passava embaixo d’água para esquecer outro dia que separava seu ideal do que ela era forçada hoje de novo: mergulhar seus pés, joelhos e coxas em uma realidade que insistia em acontecer. Os dias insistiam em nascer, o sol insistia em parar, o dito cujo lá em cima, esquentar: - Não, eu não quero que o dia nasça amanhã – Clara repetia. Repetia 3, 4 vezes só para ter certeza.

E aquela existência irritante continuava existindo. O sol continuava, desafiante, seu curso. As pessoas continuavam acordando e os telefones, todos os telefones do mundo, continuavam soando os ridículos toques. E as pessoas, que continuavam acordando, continuavam programando seus ridículos toques para revelar a quem estava a sua volta sua predileção musical. – Tolos, um bando de tolos.

Clara achava sua mente enegrecida demais para o seu nome. Tentou mudar uma vez, implementar apelidos, mas só os populares (ou os perdedores) que são dignos de apelidos. E ela não era nada. Ela não era nada mais do que um outro alguém.

A vontade de dançar era real e, por mais que o gesto fosse inchar a sensação de abandono de alma, ela se resolveu com uma solução. Um jazz maltrapilho era perfeito.

Uma abajur pequeno iluminava a sala do apartamento. Décimo sétimo andar. Clara gostava do frio no estômago de se ver pendurada com nada além de um vazio sob seus olhos. Algo como voar, mas sem asas, paraquedas. Clara costumava dizer que a altura não a assustava. Não. A altura era o prenúncio da queda.

A altura era o prenúncio da morte e ela gostava de conviver com a morte, lado a lado. Uma parede de concreto (uns 50 centímetros?) separava a vida da não-existência. Ela costumava afogar o superego quando estava sozinha e brindava à morte iminente. Mas a morte nunca chegou. Clara era covarde demais. Assim como eu.

(O projeto continua ali em cima)

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